Notícias da Delegacia de Santo Amaro

polícia durante prisão de estudante
polícia durante prisão de estudante

(Protestos do dia 26/06/2013). Texto de Liana Cirne Lins, advogada. Fonte: Reprodução/Facebook.

Potpourri de absurdos na Delegacia de Santo Amaro nessa última noite. Foi absolutamente notório o esforço para agravar a situação dos manifestantes detidos, uma delas, infelizmente, já presa no Bom Pastor. O fato é que havia uma raiva difusa contra aqueles jovens que estão lutando por um país melhor. O governo de Eduardo Campos já havia, por diversas vezes, dado amostras da sua truculência contra os estudantes. Para quem só acordou agora, vou lembrar da grande manifestação contra aumentos das passagens de ônibus anos atrás. A polícia, naquela ocasião, agia também como nos tempos da ditadura, como foi agora.
A diferença é que, naquele momento, o gigante estava dormindo. Ou pior, lendo Veja.
E agora, esses meninos e meninas que estão indo às ruas, quando o gigante foi novamente tirar sua soneca, em muito menor número do que há uma semana, esses meninos e meninas são os herois nacionais.
De onde moro, por ironia, vi do alto toda a situação.
Uma massa de jovens gritando “vem pra rua”. Luzes nos prédios piscando.
De repente, 5 viaturas invadem a manifestação. E aí eu já estava descendo às pressas para a delegacia, onde passei quase 9 horas.
Para nada.
Porque onde falta democracia, advogado não é bem-vindo.
Vejamos:
1) Minha entrada (e a de vários outros colegas advogados) foi barrada, sob a desculpa absurda de que eu não possuía procuração dos meus constituintes.
2) Finalmente, após cerca de 20 minutos, consegui entrar na delegacia, mas para tanto uma outra colega teve que sair, pois eles não admitiam que um detido tivesse mais de um advogado.
3) Até a primeira estudante ser liberada, passaram-se mais de 4 horas. Nessas quatro horas, nem eu, nem a estudante que eu estava defendendo fomos ouvidas.
4) A policial que fez a ocorrência afirmou que nada tinha acontecido (em relação a estudante da UFPE detida por resistência), tanto para mim quanto para outro advogado, mas que estava sendo pressionada a fazer a ocorrência.
5) As fianças para o estudante de história da UFRPE e para a estudante da FAFIRE foram arbitradas ANTES que os mesmos tivesses sido ouvidos, em R$ 5.000,00 para cada, ao total arrepio das condições econômicas desses estudantes.
6) A convicção da Delegada estava formada, portanto, também ANTES que fossem ouvidas suas versões e com total arrepio ao princípio do contraditório.
7) A pedido da advogada Noelia Terena Brito , duas testemunhas de defesa (entre inúmeras que aguardavam do lado de fora), foram admitidas. Para nossa total surpresa, uma das testemunhas, ao entrar na delegacia voluntariamente, a pedido dos advogados, foi TAMBÉM DETIDA, NÃO PÔDE TESTEMUNHAR E SOMENTE FOI LIBERADA APÓS ASSINAR TCO POR OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA.
9) Naturalmente, impedimos que o outro estudante que também testemunharia entrasse na delegacia, para não sofrer o mesmo abuso.
10) A jovem estudante da FAFIRE foi detida, segundo os policiais, com uma sacola com “artefatos explosivos”. A estudante afirma que ela não tinha a menor condição de portar bolsa ou sacola, pois empunhava um megafone nas mãos o tempo inteiro.
11) De qualquer forma, o porte de artefatos explosivos foi configurado pela questionável posse de 3 bombas de São João, conhecidas como “peido de velha”!!!!
12) Essa jovem encontra-se agora no presídio Bom Pastor, pois o acordo de mantê-la detida na Delegacia não foi cumprido.
13) Não bastasse tudo isso, o site do TJPE não informava os contatos do juízo plantonista, para que pudéssemos impetrar os habeas corpus e evitar a prisão dos estudantes.
14) O único advogado recebido adequadamente pela Delegada foi o Presidente da OAB/PE, Dr. Pedro Henrique Reynaldo Alves, que saiu do desembarque do aeroporto diretamente para as delegacias. Ainda assim, não pôde dissuadir a Delegada do desacerto do procedimento como um todo.

É com grande preocupação e tristeza que escrevo esse relato parcial e fragmentado dos excessos e abusos que ocorreram nessa última noite.

A arbitrariedade na formação da convicção, o desrespeito ao contraditório, o desrespeito à ampla defesa, o desrespeito às prerrogativas dos advogados foram próprias de um estado de exceção. E lamentavelmente o nome desse estado de exceção é Estado de Pernambuco. Imoral? Imoral?